A afeição pode se revelar nos momentos mais inesperados, ele comentou enquanto enchia o copo dela. Quero dizer, ele continuou, onde diabos estão os alienígenas? Ela deu um gole no rum, ele se aproximara — o tímido sol escondia-se entre as árvores, os últimos raios de luz entravam pela janela retangular do restaurante e atingiam perpendicularmente o rosto da moça, que corava à medida que a bebida surtia-lhe efeito. Ando realmente perplexo com essa pergunta, ele disse, alienígenas, paradoxo de Fermi, sabe?, bilhões de estrelas na nossa galáxia, estrelas parecidas com a nossa, grande probabilidade de planetas como a Terra rodearem essas estrelas, sistemas solares bem mais antigos do que o nosso, um cenário deveras adequado para o surgimento de toda a sorte de civilização, e ainda assim: nada, nothing, rien, die Null, nichts. Ela sorriu sem mostrar os dentes. Estamos presos nesta bola rochosa, ele disse, no meio de um vasto nenhures, ele disse, e por vezes sinto cá uma coisa estranha, incontrolável, ele disse, imprevisível, que vai-e-vem-vai-e-volta, algo que não obedece aos meus planos, uma coisa que faz o que quiser, quando quiser, ele disse, e quando chega, parece aniquilar a minha alma, aos pouquinhos, ele disse, como se eu estivesse fisicamente a me desmantelar, um buraco, sim, ele disse, um buraco negro no meu coração, ele disse, e acho que tenho dificuldade em compreender isso. A moça permanecia calada, observava o passeio lá fora, umedecido pela garoa, e as folhas do outono a cair perto do hidrante com aquela velha tinta amarela.
— P. R. Cunha