uma daquelas manhãs em que se acorda & não se sabe ao certo se haverá algo, algum tema, ou mesmo faísca de ideia.
a escrita é um prato que se prepara aos poucos.
sentar-se para escrever durante algumas horinhas talvez não faça diferença nenhuma. mas depois de um ano, cinco anos, oito anos de prática — acordar, escrever, acordar, escrever — o cérebro meio que entende/apre(e)nde: «ah, sim, o senhor quer criar literaturas, pois não»…
a máquina de escrever beneficia-se do hábito. acomodar-se diante dela, faça-chuva-ou-faça-sol, & esperar. porque sempre surge qualquer coisa.
há uma janela que dá para as traseiras da casa, ao jardim, ao campo de futebol. à noite, gosto de abri-la e mirar as estrelas — aquelas que consigo ver & aquelas que só consigo imaginar (70 sextilhões delas: mais estrelas do que todos os grãos de areia das praias terrestres). pontos luminosos que preenchem o céu noturno, que oferecem falsas impressões, ou melhor, falsas esperanças, pois, a despeito da ilusão de óptica (parecem tão próximas), essas estrelas se mostram absurdamente longe umas das outras, longe de nós, tão longe que quase poderíamos considerá-las todas inatingíveis.
é possível que num futuro mais apropriado a raça humana desenvolva tecnologias que permitam percorrer essas distâncias irracionais. porém, com o que temos hoje, limitamo-nos a observar a vastidão de espaços vazios, cosmo insaciável que desafia os nossos sensos mundanos de percepção.
ainda somos crianças tentando compreender o que há lá fora.
(ou estamos sozinhos nesta imensa morada cósmica ou não estamos. e ambas as possibilidades, como diria um antigo [& muitos daqueles que tentam responder ao paradoxo de fermi {afinal, onde estariam os extraterrestres?!}] assustam.)
por enquanto, fecho a janela que dá para as traseiras da casa, ao jardim, ao campo de futebol, à noite, ao infinito.
— p. r. cunha